As leis que regem toda a vida civil da sociedade brasileira se encontram reunidas no Código Civil, cuja versão atual foi promulgada pela Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (ler completa aqui). A versão anterior tinha entrado em vigor em 1916.
Esta atualização era mais que necessária; ainda assim, ela começou a ser discutida em 1969, levando 33 anos para ser promulgada. Como a sociedade passou por muitas e profundas mudanças nesse tempo, o novo código já nasceu ultrapassado.
Um dos aspectos mais dinâmicos da vida em nossa sociedade diz respeito às mudanças nas relações afetivas, na constituição das famílias e, como consequência: também no Direito Sucessório.
Nós, da Teixeira e Viana Advogados, já abordamos aspectos do Direito Sucessório no BLOG em nosso site, por exemplo:
? para saber a importância de se fazer o planejamento sucessório, clique aqui;
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? para informações sobre divisão de bens em uniões estáveis de idosos com mais de 70 anos, acesse aqui;
? para descobrir se pensão por morte pode ser dividida entre cônjuge atual e ex-cônjuge, aqui.
Uma das dúvidas mais comuns de quem procura nosso escritório para tratar de divisão de bens é se os cônjuges são ou não herdeiros necessários. Em primeiro lugar, precisamos saber o que a expressão ?herdeiro necessário? significa.
Em seguida, precisaremos considerar se falamos de divisão de bens por causa de morte de um dos cônjuges ou por separação, uma vez que isso também vai interferir na divisão.
O que são herdeiros necessários
O Direito Sucessório brasileiro classifica os herdeiros como necessários ou facultativos. Os necessários são aqueles que não podem ser excluídos da divisão dos bens e eles são: os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Os herdeiros descendentes são os filhos, netos, etc., e os ascendentes são os pais, os avós, etc., não havendo diferença entre naturais e adotivos. Esses sempre foram considerados assim, desde a versão anterior do Código Civil, de 1916.
A reforma do Código Civil, em 2002, contudo, ampliou a lista dos herdeiros necessários para incluir também os cônjuges ? o que deu origem, depois, a uma série de questionamentos à Justiça e até hoje rende longos debates.
É que, por lei, a pessoa que falece é obrigada a reservar para seus herdeiros necessários no mínimo 50% da totalidade dos bens deixados. O falecido pode deixar testamento favorecendo quem ele quiser, mas só até o limite da metade do que tinha.
Os questionamentos ocorrem, então, por causa da seguinte contradição: se as pessoas, ao se casarem ou unirem por união estável, podem escolher a separação total como regime de divisão de bens, porque seriam obrigadas a deixar herança?
No entanto, antes de continuarmos, como já falamos dos herdeiros necessários, precisamos mencionar os facultativos. Eles nada mais são do que quaisquer pessoas para as quais o falecido tenha decidido deixar algum de seus bens.
Ou seja: só existirão herdeiros facultativos caso o falecido tenha deixado um testamento legalmente válido. Se isso não acontecer, a totalidade dos bens será dividida pelos herdeiros necessários (ver art. 1. 845 do CC de 2002).
Ordem de preferência dos herdeiros necessários
O Código Civil estipula que a herança seja distribuída na seguinte ordem:
1° ? Descendentes: filhos, netos e bisnetos, concorrendo com o cônjuge.
2° ? Ascendentes: pais, avós e bisavós, concorrendo com o cônjuge.
3° ? Se o falecido não tiver descendentes nem ascendentes, toda a herança é transmitida ao cônjuge.
4° ? Se não houver nenhum dos herdeiros necessários acima, a partilha será realizada entre os herdeiros colaterais até o 4° grau de parentesco (irmãos, tios, primos e sobrinhos).
Vemos, então, que o cônjuge entra na divisão mesmo havendo descendentes ou ascendentes vivos e a proporção dessa divisão é mais um ponto de controvérsia, embora o legislador tenha tentado eliminar uma dúvida comum.
O art. 1.829, inciso I, do Código Civil diz que ?Em concorrência com os descendentes, caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer".
Então, fica claro que o cônjuge nunca receberá menos que a quarta parte da herança caso seja ascendente dos demais herdeiros. Se não for, caso deles serem filhos ou netos de outro casamento, eles simplesmente a dividirão pelo número de herdeiros.
Acontece, contudo, que, nos casos em que os únicos herdeiros necessários sejam ascendentes, a divisão pode não ser tão pacífica assim dada a realidade da época em que o Código Civil foi reformado.
A Justiça brasileira reconhece, hoje, o que se chama de ?multiparentalidade?, que é o direito de uma pessoa oficializar, por meio de documento devidamente registrado, que considera mais de duas pessoas como seus ascendentes.
Como podem ser esses casos?
? Um indivíduo foi adotado legalmente e criado pelos pais adotivos, mas não cortou os vínculos com os pais biológicos (ou com um deles; o outro pode estar vivo ou morto, não faz diferença) e deseja ter o nome de todas essas pessoas em seus documentos como seus pais;
? Uma pessoa que, apesar de ter sido criada normalmente por seus responsáveis legais, considera imensamente uma outra pessoa (que pode ser avó, tia, amiga da família, etc.) também como pai ou mãe e deseja reconhecer isso oficialmente; ou
? Qualquer caso em que alguém deseje ter, em seus documentos oficiais, o nome de mais de duas pessoas como seus pais ? sem importar o parentesco ou o sexo dessas pessoas.
Agora podemos compreender como a multiparentalidade trouxe desafios extras na hora da divisão dos bens. É que na época de sua reforma, só podia haver dois pais. Então, o legislador foi claro ao escrever, no art. 1.837:
?Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau?.
A intenção do legislador foi destinar partes iguais para aqueles que, era de se supor, teriam a mesma consideração / vínculo com o falecido e que, portanto: mereceriam receber partes iguais na divisão dos bens.
Mas... como fica agora nos casos em que alguém pode falecer deixando mais de dois ascendentes? (Deixando claro que os graus de ascendência não se misturam: se houver apenas um dos pais e os quatro avós, só o pai ou mãe entrará na conta.)
Divisão de bens na morte versus na separação
Além dos questionamentos e da complexidade dos casos mencionados acima, temos também muitos questionamentos decorrentes do confronto entre a vontade de separar bens expressa no regime de casamento ou união estável e a lei na herança.
Ora, se o casal optou pela separação total de bens ao se unir, porque seria obrigado a partilhar bens no caso de falecimento quando, tantas vezes, a separação de bens é escolhida justamente para proteger outros herdeiros?
Por causa disso, vários juristas consideram que a inclusão do cônjuge como herdeiro necessário criou um absurdo jurídico e defendem que esta obrigatoriedade seja abolida numa próxima revisão do Código Civil.
Vem aí nova reforma no Código Civil?
Em meados de abril de 2024, foi entregue ao Senado um anteprojeto para uma nova reforma do nosso Código Civil por uma comissão de juristas criada para este fim. Dentre as alterações sugeridas, está a retirada dos cônjuges do rol dos herdeiros necessários.
Infelizmente, não temos nenhuma previsão de quando a matéria começará a ser analisada pelos Senadores, nem quanto tempo levará para que seja votado nas duas Casas Legislativas e muito menos quando um novo código será promulgado.
Quanto à matéria aqui em questão, não sabemos se a lei será mudada ou continuará como está e, enquanto for assim, os questionamentos não deixarão de surgir. Atualmente, os cônjuges são, sim, herdeiros necessários.
Então, clientes e amigos: imaginamos que demonstramos como o assunto é complexo e demanda muito estudo a cada caso em que um cliente procurar um advogado levando suas dúvidas e desejos.
Por isso, reforçamos sempre:
Se que tiver dúvidas sobre os seus direitos, procure um advogado!