Pois bem, clientes e amigos: o STF voltou do recesso agora, no começo de fevereiro, e já tomou uma decisão muito importante sobre o questionamento se idosos acima de 70 anos são mesmo obrigados, como diz o Código Civil, a se casar pelo regime de separação de bens.
Este tema tem assumido cada vez maior importância devido ao aumento na expectativa de vida e a crescente conscientização das pessoas em direção a vidas mais saudáveis, o que cada vez mais justifica a expressão: ?A vida começa aos quarenta?!
Essa conscientização, juntamente com os avanços da medicina, tem feito com que, bem frequentemente, encontremos pessoas de 70, 80 e até 90 anos de idade vivendo vidas saudáveis, produtivas e felizes ? o que pode inclui recomeços em suas relações amorosas.
Para muitos idosos, ao contrário do que era anteriormente mais comum, a ?terceira idade? pode significar a ?melhor idade? também por se decidirem a iniciar novos relacionamentos depois de encerrado o vínculo anterior, seja por morte do antigo cônjuge, seja por separação.
No entanto, esta nova realidade traz consigo algumas questões patrimoniais: como fica a divisão de bens entre os filhos e os novos companheiros ? unidos por vínculos ou de casamento ou de união estável ? segundo a lei brasileira? E quando ambos ou um deles tem mais de 70 anos?
Como é o regime de bens nestes casos
Hoje em dia, de acordo com o Código Civil de 2002, o regime de bens no casamento de pessoas com mais de 70 anos de idade é o de separação total de bens. A justificativa para esta determinação é a de que é preciso "proteger" os idosos e seus herdeiros.
No entanto, precisamos notar que o Código Civil assim estabelece para os casos em que ocorre o casamento, não apresentando, contudo, nenhuma regulamentação para as situações em que uma pessoa com mais de 70 anos constitui união estável.
Qual o envolvimento do STF no tema
A questão chegou até o STF por causa de uma ação de inventário aberta no Estado de São Paulo em que uma senhora ? unida por união estável ? pleiteou participação na divisão de bens juntamente com os filhos do falecido.
Na primeira instância, o direito de participar da partilha foi garantido à companheira pelo juiz que considerou aplicável o regime geral da comunhão parcial de bens. Porém, em um recurso ao Tribunal de Justiça, a sentença mudou.
No TJ-SP, a decisão da primeira instância foi derrubada: os desembargadores entenderam que deviam aplicar à união estável o regime da separação obrigatória de bens para proteger a pessoa idosa e seus herdeiros, conforme apregoado pelo Código Civil de 2002 para o casamento.
Então, a ex-companheira do falecido levou o questionamento até o STF, pedindo que seja aplicada à sua união estável o regime geral da comunhão parcial de bens.
A análise deste tema pelo STF tornou-se, então, de grande importância para incontáveis uniões entre idosos Brasil afora ? seja por casamento ou união estável ? uma vez que são a cada dia mais comuns as uniões de pessoas com mais de 70 anos.
Assim, no dia 18 de outubro de 2023, o relator do caso, o ministro e presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, leu o relatório, e os advogados fizeram suas sustentações orais. A sessão para votar o caso foi agendada para a volta do recesso: quinta-feira, 01 de fevereiro de 2024.
Qual foi a decisão do STF
Por unanimidade, o STF decidiu que o texto do art. 1.641, 2, do Código Civil, que estabelece a separação de bens, segue válido para quem não se manifestar em sentido contrário.
Porém, maiores de 70 anos podem se casar em regime de comunhão de bens desde que manifestem essa intenção em escritura pública. E esta manifestação vale tanto para quem se unir em casamento quanto por meio de união estável.
A tese fixada pela Corte é bem clara: ?Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, 2, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes por escritura pública?.
A argumentação que embasou a decisão é bastante lúcida: do jeito que se apresenta, o artigo trata os idosos como meros ?instrumentos para a satisfação do interesse patrimonial de seus herdeiros?, pois parece proteger mais os interesses dos herdeiros que o dos idosos.
Desta forma, disse o ministro Barroso, a obrigatoriedade imposta pela norma do Código Civil fere os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, uma vez que o dispositivo impede pessoas capazes de praticar atos da vida civil de fazer ?livremente? as suas escolhas.
Agora, atenção:
Durante o julgamento, o ministro Cristiano Zanin sugeriu uma modulação de efeitos da decisão. Uma ?modulação? é o estabelecimento de parâmetros para aplicar a sentença, ou seja: a partir de que data, ou em que situações, se para ações já finalizadas ou ainda em andamento, etc.
Desta forma, o STF decidiu que a não-obrigatoriedade do regime de divisão de bens só passe a valer a partir deste julgamento, mantendo o entendimento anterior para casos que se deram antes desta sessão da Corte.
Como este tema tem repercussão geral, ou seja: o que o STF decidiu vai valer para todos os processos semelhantes em todo o país, a decisão se faz de grande interesse para muitos milhares de pessoas país afora.
É de se imaginar, contudo, que a senhora que levou este questionamento até o STF não verá satisfeita a sua vontade de participar da herança de seu falecido companheiro, embora tenha aberto a porta de um caminho de novas alternativas para todos os idosos do Brasil.
Sempre que tiver dúvidas sobre seus direitos, procure um advogado!